domingo, 24 de fevereiro de 2013

Virtudes correspondentes a cada EGO








Cada Ego é uma distorção de uma Virtude

As 7 virtudes capitais

Todos cometemos pequenos pecados. É natural. Mas a cada um deles (catalogados desde a Idade Média) podemos contrapor outras sete notas mais harmônicas e assim deixar a vida mais afinada  
por Roberta De Lucca

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Quando um grupo de fariseus irados jogou Maria Madalena aos pés de Jesus e pediu que ela fosse apedrejada porque tinha cometido adultério, Cristo foi objetivo: “Aquele dentre vós que nunca pecou atire a primeira pedra”. As pessoas foram se retirando, uma a uma, até que não restou mais ninguém, além de Jesus e Madalena. Esse trecho da Bíblia retrata que todos os seres humanos cometem pecados, por menores que sejam.


Quem nunca comeu por pura gula, ralou de trabalhar para economizar dinheiro, discutiu feio com alguém, passou um domingão largado no sofá, julgou-se melhor que seu colega de trabalho, teve uma noite de sexo inesquecível ou olhou torto para o carro zero do vizinho? Pode ser que não tenhamos nos rendido a todos os pecados, mas de um ou outro provavelmente já fomos vítimas.

É natural negarmos que essas contravenções – classificadas pela primeira vez pelo monge grego Egrávio do Ponto (345-399) e revisadas no século 13 pelo teólogo Tomás de Aquino – possam fazer parte da nossa existência, pois trazemos em nossa bagagem cultural católica que avareza, gula, inveja, ira, luxúria, preguiça e soberba são vícios de má conduta. Mas os pecados estão em nosso cotidiano por uma razão explicada com simplicidade pela psicoterapeuta junguiana Maria Helena R. Mandacarú Guerra: “As funções que envolvem os pecados são importantes para a vivência humana”. Precisamos guardar dinheiro para possuir bens, temos que comer, devemos ter relações sexuais e assim por diante. O segredo é não extrapolar e enxergar a virtude contida em cada uma dessas funções. A resposta para o bem viver entre o pecado e a virtude é ser meio budista. Seguir o caminho do meio e encontrar o equilíbrio entre esses aspectos que delineiam a nossa personalidade e o nosso comportamento – e que podem dizer muito sobre nós. A partir de agora, ouça o lado “A”.

Comedimento ou Equanimidade

O comedimento alimentar talvez seja umas das virtudes mais fáceis de serem praticadas, porque ele nasce de outro pecado que, cá entre nós, é o pecado da vez: a vaidade. Como o culto ao corpo e à vida saudável é valor em alta no século 21, a gula vem perdendo espaço na ordem de grandeza das contravenções capitais. Claro que ainda existem os gulosos clássicos, que abusam da comida e da bebida, maltratando sua saúde e perpetuando estudos sobre comer em excesso. Santo Agostinho dizia que “comer e beber são condições para a saúde, acompanhadas do prazer”, e aí está o fi o da navalha. Além de ser imprescindível à sobrevivência, comer é bom, muito bom, e por isso as pessoas se empolgam diante de uma mesa farta. 

Entregam-se ao prazer que alimentos saborosos e boas bebidas despertam e passam dos limites. “A gula afeta o bolso, a saúde do corpo e do planeta”, afi rma Lucia Marques de Souza Ferraz, coordenadora da Organização Brahma Kumaris no Brasil. Um olhar mais apurado também revela que esse pecado não se resume a se empanturrar. A gula, diz o fi lósofo espanhol Fernando Savater no livro Os Sete Pecados Capitais, “é uma forma rápida de apropriar-se de algo, é a metáfora da possessão absoluta”. A afi rmação levanta uma questão: o que há por trás da gula que não seja o comer exagerado? O que descarregamos ou escondemos atrás de cada prato extra? Observar o que depositamos na alimentação desenfreada descortina afl ições e sentimentos que às vezes demandam cuidados. Mas quando aceitamos que as garfadas são gula mesmo, tenhamos vergonha na cara e partamos para a trilha do comedimento. Ingerir somente o necessário e priorizar alimentos saudáveis é a chave para quem quer viver literalmente mais leve e melhor.

Desapego

Por incrível que pareça, a inveja é um sentimento útil. Ela nos move, nos faz sair do marasmo, nos faz batalhar por algo que desejamos conquistar. É evidente que a inveja é benéfica quando não prejudica os outros, quando você não torce para seu colega sofrer um acidente, tirar uma licença forçada e você se projetar às custas disso para abocanhar a promoção antes destinada ao infeliz convalescente. Inveja saudável é inveja boa, aquela que o faz se empenhar para ganhar mais comissão de vendas para poupar e fazer uma viagem pela Europa igual à da sua prima. 

O fato é que muitas vezes as pessoas perdem o bom senso e nem percebem que estão exagerando, porque são movidas por fatores externos que as bombardeiam a todo momento. A exigência de competências no trabalho é um exemplo típico. Hoje as pessoas têm de ser tão boas no que fazem para se destacar que nem se dão conta do quanto se deixam engolir por esse pecado. Quando alguém inveja o sucesso profi ssional do outro, pimba!, parte em busca de status semelhante – e aí abrem-se as portas da soberba, da avareza e de mais um tantinho de pecados que não estão na lista dos capitais. A contrapartida não é pedir demissão e vender picolé na praia porque você não quer pecar. É simplesmente desapegar-se desse sentimento quando ele se torna desproporcional. Inveja ruim tem que ser banida e abrir caminho para o distanciamento das coisas, que permite enxergá-las melhor e saber pesá-las. 

“O desapego dá segurança emocional, realismo e refrescamento. Deixa os outros à vontade, livres para ir e vir sem muito alarde”, escreve Anthea Church em Beleza Interior – O Livro das Virtudes. E, quando você faz isso, o resultado é mais refrescante que picolé: você se liberta da pressão de ter que ser igual aos outros e descobre sua autenticidade. Aí, segura, porque os outros é que vão te invejar.

Diligência

O oposto da preguiça é a diligência, é ação, execução, realização. Só que ser diligente não elimina o pecado, porque fazer as coisas correndo para acabar logo, mas empurrando os detalhes com a barriga, também é preguiça. Como você vê, diligência e preguiça passeiam lado a lado e vez ou outra podem se dar as mãos. O ideal é tirar proveito do encontro entre o pecado e a virtude para não pesar nem de um lado nem do outro. Em Os Sete Pecados Capitais, o filósofo espanhol Fernando Savater afirma que “a diligência excessiva e compulsiva leva ao estresse, que bloqueia e paralisa”. Para bom entendedor, meia palavra basta: cuidado no exagero da ação. Por outro lado, se a preguiça é o oposto, como é possível se valer dela? “A preguiça foi o motor das grandes conquistas do progresso. 

Quem inventou a roda, por exemplo, não queria caminhar mais”, diz o escritor e humorista argentino Roberto Fontanarossa. Pode parecer piada, mas ele tem razão. Para facilitar a vida, o homem, movido pela lei do menor esforço, inventou muitas coisas para seu conforto – e aqui entendemos o lado positivo da preguiça. O problema é quando ela se instala na vida. “É preguiçoso quem renuncia a seus deveres com a sociedade, com a cidadania, quem abandona sua própria formação cultural. A pessoa que nunca tem tempo para ler um livro, para ver um filme, para prestar atenção no pôr-do-sol. Aquele que tem preguiça de converter-se em mais humano”, escreve Savater. 

O pulo do gato é ser ativo no momento certo – sem se tornar um workaholic que acaba com sua vida pessoal e social – e saber parar e se jogar no sofá sem culpa, assumindo que naquele dia você não está nem aí para o pôr-do-sol, embora saiba que apreciar o sol poente vale muito mais que um montão de coisas na vida.

Generosidade

Quando guardamos muito, o dinheiro pode realmente nos aprisionar, gerando o vício de poupar, poupar, poupar para gastar no futuro (que aliás nunca chega, não é mesmo?). “No avaro, o futuro mata o presente”, diz o fi lósofo Fernando Savater. Podemos guardar para comprar casa, carro, tirar férias gostosas, mas não devemos viver apenas em função de engordar o pé-de-meia. Temos que gastar agora, para curtir a vida, e aprender a nos desprendermos do dinheiro. 

Assim, abrimos espaço para a generosidade, que é compartilhar o que temos com o outro. Ninguém está pedindo para você dividir sua conta bancária com alguém, basta ajudar quem necessita. Você pode fazer uma doação, emprestar dinheiro para um amigo ou simplesmente dar passagem para uma pessoa que vai atravessar a mesma porta que você. Porque generosidade e avareza não se resumem ao vil metal, é preciso que se diga. O ser humano também é avaro de sentimentos, sabia? Não ter tempo para os outros, não prestar atenção no que as pessoas dizem nem em suas necessidades é avareza. 

Em vez de focar em seu próprio umbigo, o contraponto está em ser solidário, entendendo que a solidariedade “só é verdadeiramente generosa desde que vá além do interesse”, como afirma o professor de filosofia da Universidade de Paris e escritor André Comte-Sponville, em seu Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. Por isso, de nada adianta assinar um cheque para uma organização não-governamental se você fi car se achando “o cara” (olha aí a soberba entrando em cena, gente!). O correto é preencher o cheque pelo desejo verdadeiro e sincero de ajudar. De quebra, você compreende que quando reparte também se liberta, pois deixa de viver para acumular.

Humildade

Primeiro vamos combinar que humildade não tem relação alguma com servilismo ou com ser pobre e sem recursos, como muita gente pensa. Cultivar a humildade é uma das maiores e mais difíceis virtudes humanas. “Ser humilde é amar a verdade mais que a si mesmo”, escreve o filósofo André Comte-Sponville. Em outras palavras, é assumir tudo o que não somos, aceitar nossas limitações, nossa ignorância e nossos medos e estarmos dispostos a crescer a partir desse entendimento, procurando aprender a nos tornarmos seres humanos melhores. 

O título Beleza Interior – O Livro das Virtudes, da escritora Anthea Church, traz uma definiçãopreciosa da humildade: “É o reconhecimento de que tudo o que existe na vida e está à sua frente deve ser respeitado como algo que o ajudará a progredir”. 

A frase é justamente o inverso da soberba, um pecado avassalador, que causa muitos estragos. Uma pessoa soberba é tão autocentrada que menospreza os outros, pois sempre se considera superior. “A soberba está ligada ao egoísmo e à arrogância e difi culta as amizades, fortalece o criticismo, traz isolamento, amargor e sarcasmo”, afi rma Lucia Marques de Souza Ferraz, coordenadora da Organização Brahma Kumaris no Brasil. 

Tudo bem que devemos defender nossos pontos de vista, ter opiniões próprias, mas nem por isso precisamos achar que detemos a verdade máxima sobre tudo e todos. Vamos baixar a bola e focar para evitar cair na soberba. A receita vem do fi lósofo Fernando Savater: “O remédio é muito simples, mas às vezes duro de ser assumido: ser realista”. Savater cita Santo Agostinho, que disse: “Quando eu considero a mim mesmo, não sou nada; quando me comparo, valho bastante”.

Serenidade

Ser sereno é ter paz interior, estar em harmonia consigo e, conseqüentemente, ter um olhar mais suave para o que acontece à sua volta. Se as pessoas cultivassem essa virtude, o mundo seria melhor – de verdade. Apesar de a frase parecer ingênua, a mensagem é simples: a serenidade nos faz parar para pensar antes de falar ou agir e pode evitar muita confusão, principalmente a gerada pela ira, aquele sentimento descontrolado que nos faz explodir diante de uma contrariedade. 

O filósofo romano Sêneca dizia que “a ira está presente somente nos seres humanos, pois a raiva animal é destituída de qualquer componente conceitual, e a verdadeira ira é sempre a emoção objetivando uma destruição específi ca”. Ou seja: quando incomodado, o ser humano reage ou trama contra o outro, indo além do conceito natural da raiva, que é um sentimento de autopreservação. 

A ira pede atenção quando é constante, porque aí o pecado já não mora mais ao lado, mas dentro de casa. “A ira é um fogo que só pode nos queimar. Precisamos aprender a meditar, a transcender a toda emocionalidade”, afi rma o diretor de estudos budistas da Universidade de Colúmbia (Estados Unidos), Robert Thurman, no livro Ira. O autor explica que para desenraizar a ira precisamos procurar a fonte do sofrimento e ir além, compreender que a ira vem de dentro de nós – e a serenidade também. “Devemos assumir a responsabilidade de criar nossos próprios mundos (...). Assim, quando algo de ruim nos acontece, o movimento efi caz é buscar a origem dentro de nós mesmos. Sentar e culpar o mundo dos outros não funcionará (...), porque não podemos controlar os outros, apenas a nós mesmos”, escreve Thurman.

Pureza

O que a Igreja definiu como pecado da carne era o sexo pelo prazer, pois a relação carnal entre um homem e uma mulher só era válida para perpetuar a espécie. A questão é que o ato sexual tem um tempero especial que é o prazer – aqueles milésimos de segundo do orgasmo, em que temos uma microparada respiratória e literalmente morremos. 

A sensação é tão boa que gera o efeito “quero mais” – e esse é o X da questão. Querer mais quanto, como, com quem, com qual freqüência, com qual propósito? No meio desses quereres se esconde a luxúria, que transforma o sexo bom em sexo sem limites, que pode ser prejudicial. “Um casal pode fazer o que quiser, desde que haja consenso entre ambos e que suas práticas não os façam sofrer”, afirma o psicólogo Oswaldo M. Rodrigues Jr., do Instituto Paulista de Sexualidade. 

Quer dizer que liberou geral? Em termos, mas é preciso atenção aos valores que envolvem o encontro sexual. “A luxúria em si é boa, desde que os parceiros se amem”, afi rma o fi lósofo britânico Simon Blackburn no livro Luxúria. O fato é que hoje muitas pessoas estão no embalo do sexo casual, que contribui para a luxúria. “É importante entender a sexualidade como algo mais completo em emoções e levar em conta seu lado humano”, diz Frank Usarski, professor de Ciências da Religião da PUC-SP. 

Aqui chegamos ao ponto em que a virtude da pureza entra em cena para ensinar que “ela está no desejo sem violência, no desejo aceito, no desejo partilhado, no desejo que eleva e celebra!”, define o filósofo André Comte-Sponville. Resumindo: sexo é bom, mas pode ser melhor se houver honestidade nos propósitos e a preocupação de não prejudicar. Eis, então, a pureza da verdade de uma relação.

Confiança

Verdade













Texto extraído 
da Revista
Vida Simples
Outubro/ 2010

Sessão Pé no Chão








   

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